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Borealis on the tribute album Lembranças São Escolhas



A culpa é do Marcelo ​por Bruno Capelas

A primeira vez que eu ouvi o Dary foi por uma coincidência – ou será serendipidade? A culpa é do Marcelo Costa, dono do Scream & Yell (e um dos meus mestres no jornalismo), que tinha uma coluna sobre música no iG em 2006. Eu tinha 14 anos, era o nerd da escola, morava em São Caetano e ganhei uma promoção na coluna do Marcelo, a Revoluttion. O prêmio era uma revista Bizz, com o Skank na capa. Quando abri o pacote, rolou pelo chão um CD. Ou melhor: um Semi Metallic Disc – era o ​”​Vc Vai Perder o Chão​”​, do Terminal Guadalupe.

Botei o disquinho pra rodar no CD player do computador e a mensagem bateu direto na cabeça. O discurso anti-hipster, a ligação entre o amor e a política, uma meia dúzia de referências (Frank Jorge, The Clash, Beach Boys) e a ideia de viver em uma cidade que parece melhor no papel (Curitiba ou o C do ABC?) do que na prática provocaram identificação imediata. Viciei na banda e acompanhei com entusiasmo quando, independentemente de tendências políticas, ela apareceu na Veja como “promessa do rock nacional”. Só não fiz a turma de amigos entrar na onda comigo porque na época… ​B​em, eu não tinha amigos.

Quando o disco seguinte saiu – “A Marcha dos Invisíveis” –, eu já era um convertido ao TG. (Quantas fossas adolescentes não tive ao som de “De Turim a Acapulco”? A contar.). Tão convertido a ponto de que, pouco tempo depois, uma moça que queria me impressionar disse que gostava do Terminal também. Acabou virando minha primeira namorada (ou algo parecido com isso, a gente nunca sabe muito bem quando é adolescente). O fato de que ela só foi ouvir a banda por minha causa eu fui descobrir muito tempo depois. Até hoje, um SMS que ela me mandou citando o refrão de “Tambores” é uma das mensagens mais bonitas que eu já recebi de alguém. E claro, quando tudo acabou, “o grande amor é aquele que não dá certo” virou meu lema por semanas. As lembranças são escolhas.

Todo esse blá-blá-blá sentimental foi só para tentar explicar que para um rapaz luso-americano vindo do subúrbio nos anos 2000, Dary foi o equivalente mais próximo que eu tive de um Renato Russo – um letrista e vocalista versátil, capaz de me fazer xingar o mensalão (escolha o partido, não importa) ou a Igreja Católica e me apaixonar na mesma medida. Espero que este “As Lembranças São Escolhas” tenha o mesmo efeito sobre seus ouvintes do que teve em mim – a vontade de ouvir não só o disco, mas também ir atrás das canções originais e (re)descobrir músicas que ficaram perdidas no tempo.

Será uma missão interessante: o sabor latino que Fábio Della impôs a “Lorena Foi Embora” refez a ironia da canção original, enquanto a “Burocracia Romântica” de Lemoskine dá novo sentido aos “beijos que nos separam”. O mesmo vale para o groove que o paranense Nevilton (“afilhado musical”, diria Dary) colocou em “O Bêbado de Ulysses”, transformando o que era intensidade em 2005 em charme.

As três releituras, porém, podem ser até consideradas tradicionais perto da ousadia de Valciãn Calixto, fazendo a raiva punk de “​Coragem de Fugir ​é Medo de Ficar” em balanço nordestino, ou da versão viajante (salve, Autobahn!) de “O Gongo”. Há mais que isso em “As Lembranças São Escolhas”, um disco que celebra os 30 anos de música de ​Dary também pela presença de companheiros de estrada – ​de ​Rodrigo Lemos, do Lemoskine,​ que​ liderou a Poléxia, banda de apoio no primeiro disco do TG, “Burocracia Romântica”, a Sandro Malk, que tocou com Dary no seu último projeto, Rosablanca (aliás, “Oi” caberia muito bem aqui) . Aqui, Malk se une à namorada Nico no Little Flake & Me para fazer “Força”, o canto do cisne do Terminal Guadalupe.

Como fã do Terminal Guadalupe, eu mesmo poderia escolher um sem-número de músicas que deveriam estar aqui – da anárquica “Ni!”, que me apresentou ao Monty Python, a “O Segundo Passo” ou “Romance Juvenil Operário”, que acreditei serem retratos da minha própria vida. Essa é, também, a graça d​e coletâneas assim – perceber que, às vezes, elas são apenas o começo. “As Lembranças São Escolhas” também serve como aquecimento – enquanto escrevo este texto, Dary me diz pelo WhatsApp que volta em breve com seu novo disco, “O Menino Velho da Fronteira”. Neste tempo em que andamos cansados de utopias, que venha – como se fosse a primavera.

Desde aquele domingo de sol por Dary

No verão de 1987, enquanto o sol derretia a Vila Kosmos, subúrbio do Rio de Janeiro, eu gravava a minha primeira demo. Foi um processo rudimentar. Microfone no teto da sala do guitarrista Mário Davi, gravação em fita cassete no aparelho de som três-em-um. Foram oito canções. Infelizmente, não tenho mais aquele registro, nem as letras, todas influenciadas por bandas como Inocentes, Cólera e Plebe Rude.

Alguns versos esparsos de “Panorama Político” (“Parem com a censura / Quero sair na rua / Saibam que a ditadura / Ainda continua”) foram usados em 1991, em Campo Grande (MS), durante um show da banda Corrupção de Menores. A citação foi uma demonstração de carinho do líder do grupo, o baixista e vocalista Léo Soruco, um grande amigo da adolescência.

De lá para cá, tive algumas bandas. Carestia em Ascensão, de Corumbá (MS), e Adimira Bosko, de Itajaí (SC), só deixaram registros ao vivo e em condições precárias. Já Fábula Tirana, lorena foi embora…, Terminal Guadalupe, Rosablanca e Dario Julio & Os Franciscanos conseguiram gravar com maior qualidade. Foi a partir dessa fase melhor documentada que montei o repertório de “As Lembranças São Escolhas”, uma escolha mais afetiva e pessoal.

Convidei artistas dos quais me considero amigo ou por quem tenho admiração. Fiquei feliz e honrado com a participação de todos. No início, até pensava em cantar junto, mas as versões tinham tanta personalidade que colocar a minha voz ali iria parecer algo forçado. O resultado final deixou claro: foi melhor assim. Pode ouvir sem medo. Se não gostar, tudo bem. Ouça as músicas dos próprios convidados. Eles têm obra e merecem a sua atenção.

Este álbum se soma ao livro “Leia Esta Canção”, uma seleção de letras a ser lançada ainda neste ano, para fechar um ciclo de 30 anos de música e jornalismo, dois lados da mesma moeda da minha vida. Nos encontramos por aí, em alguma história, em uma canção qualquer. Até lá. E obrigado por chegar até aqui.




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